Pedir para que crianças entre 10 e 12 anos se olhem no espelho e identifiquem, entre suas características físicas, aquela que mais gostam. A atividade, que parece simples e faz parte do projeto Crescer com Valores, vem revelando uma realidade alarmante: a falta de autoestima nesta faixa etária, principalmente entre as meninas. Em alguns casos, é o educador quem precisa apontar uma característica físca na criança para que ela consiga fazer a sua escolha e continuar a atividade proposta pelo módulo “A Sociedade do Consumo e do Culto Exagerado aos Padrões de Beleza”.
Embora a preocupação exagerada com a aparência não seja exclusividade das mulheres, é entre as meninas que os efeitos dos rígidos padrões de beleza impostos pela sociedade geralmente são sentidos com mais intensidade. Para a psicóloga, psicanalista e formadora do Instituto Criança é Vida Elba Almeida, as consequências de tanta rigidez podem ser observadas em meninas eternamente insatisfeitas com a própria aparência, com a autoestima muito baixa e sempre em busca de algo inalcançável. “Muitas vezes observamos crianças negras querendo ser brancas, loiras e de olhos azuis. Crianças mais gordinhas e extremamente saudáveis, querendo ser magras como a Barbie ou a Gisele Bundchen”, conta.
A identificação das meninas com estes ícones de beleza não acontece por acaso. Além da ditadura da moda e da mídia, há quase sessenta anos a ideia de ser loira, magra, ter cabelos lisos e olhos azuis foi traduzida pela fabricante da Barbie® como modelo de beleza e perfeição.
Este ano, porém, a empresa responsável pela produção do brinquedo anunciou novidades. Até o fim de 2016 pretende lançar uma linha de bonecas com tipos físicos diferentes. Bonecas morenas, negras, estaturas variadas, corpos curvilíneos e cabelos cacheados, vermelhos e até azuis devem passar a dividir as prateleiras das lojas com a versão original. O lançamento, segundo o fabricante, pretende ser uma resposta às críticas sofridas em relação ao padrão de beleza sugerido pela boneca.
Para Elba, é “de extrema importância que uma boneca mundialmente conhecida como a Barbie tenha aberto os seus horizontes e abraçado todos os tipos de beleza, em todas as suas diversidades”. Segundo ela, o fato de a Barbie® ser negra, baixinha, gordinha, magra, loira, morena, ruiva ou oriental, nos mostra como a nossa sociedade grita por mudanças e por aceitação do diferente.
Mas a estratégia da empresa também divide opiniões. Em sua coluna no jornal El País, sob o título “Quem precisa de Barbie, tenha o corpo que tiver?”, a escritora Eliane Brum faz duras críticas ao estilo de vida consumista estimulado pela boneca/personagem e traça um histórico detalhado da criação do brinquedo, segundo ela, “nada inocente”.
Além das prateleiras, a Barbie também está na TV. Ela é a estrela de desenhos animados que, pelo menos por enquanto, estão longe de expressarem a mesma preocupação com a diversidade que a nova linha de bonecas pretende transmitir. Em um dos episódios da série, a Barbie® e uma rival morena entram no mar. Ao sair da água, a Barbie® sacode os cabelos ainda molhados que, como mágica, voltam automaticamente à forma anterior: penteado, loiro e liso. Já com a morena o efeito é outro. O cabelo, que tinha aparência lisa e longa quando seco, depois de molhado encolhe e se torna crespo. O que faz com que ela se desespere com o novo visual: um penteado ao estilo black power, que é e chamado pelo grupo de amigos, incluindo meninos, de “esquisito”. Um triste reforço ao lema estabelecido pela marca há quase seis décadas e que ainda parece ser: diferenças existem, mas a beleza é só uma, o resto é esquisito. Até quando?
Para tentar mudar essa situação, o caminho talvez não esteja nem na TV e muito menos em bonecas caras e famosas, mas ao alcance de todos nós. Segundo a psicóloga Elba, a personalidade e a autoestima de uma criança são construídas principalmente pelas suas principais referências, que são os pais. O grande problema é quando os pais também estão mergulhados nesses padrões e acabam reproduzindo todas estas exigências para os filhos. Então, “o importante é mostrarmos para as crianças que não deve existir certo ou errado em relação ao belo. O que é bonito pra mim, pode não ser para você”, orienta a profissional.