Em destaque

Pensando sobre a saúde dos jovens

Compartilhe:

Ao longo de 20 anos de atuação na área da saúde da criança, a experiência mostrou ao Instituto Criança é Vida a necessidade de ampliar e envolver também os adolescentes em suas ações. Uma necessidade que é reforçada pelos resultados recentes apresentados pela Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – PeNSE.

Realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa ouviu, durante o ano de 2015, 2.630.835 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental das redes pública (85,5%) e privada (14,5%) de todo o país. Foram entrevistados estudantes com idades entre 13 e 15 anos, sendo que 51% tinham 14 anos. Pouco mais da metade eram meninas (51,3%) e 48,7% meninos. Os dados foram divulgados em agosto deste ano.

Em sua terceira edição, a pesquisa – que traça um perfil da saúde do aluno brasileiro – trouxe, pela primeira vez, dados relacionados ao estupro. De todos os entrevistados, 4% ou 105,2 mil alunos disseram já terem sido forçados a fazer sexo. Destes, 4,3% eram meninas e 3,7% eram meninos. Quando perguntados sobre quem os teria obrigado a ter relações sexuais, o maior percentual de respostas apontou namorado(a)s ou ex-namorado(a)s (26,6%). Outros 21,8% responderam um amigo(a),11,9% disseram pai, mãe ou padrasto e 19,7% outros familiares.

Imagem: Instituto Criança é Vida
Imagem: Instituto Criança é Vida

CORAGEM DE DIZER NÃO

Para tratar de temas assim, o Instituto Criança é Vida criou, em 2015, o projeto “Questões de adolescência” voltado para adolescentes de 13 a 15 anos, o mesmo público ouvido pela pesquisa. O projeto amplia a atuação do Instituto que, desde 2006, já trabalhava a educação sexual para crianças por meio de outros dois projetos: “Tempo de descobrir” (de 7 a 9 anos) e “Amor, sexo e responsabilidade” (de 10 a 12 anos).

“Adolescência – crescer também é ter coragem de dizer não” é um dos módulos educativos do novo projeto em que o conceito de violência sexual é abordado de forma muito direta, clara e objetiva. Além de estimular o combate à cultura do estupro, a apostila também trata de temas como álcool, cigarro e drogas ilegais, assuntos que também foram objetos da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (ver quadro no final).

Formadora do Instituto Criança é Vida em projetos na área de educação sexual e prevenção ao uso de drogas desde 2006, a bióloga Célia Siqueira acredita que a violência sexual sempre foi um tabu entre adolescentes. Para ela, o posicionamento deste público diante do tema está apenas começando à medida em que a informação também começa a chegar até eles pela mídia. “A maioria dos jovens de ambos os sexos, acredita que, no caso de estupro, a culpa é da vítima, como mostrou outra pesquisa recente a respeito do tema. Eles são vítimas da desinformação sobre seus direitos e também da cultura em que vivem. No projeto ‘Questões de adolescência’, do Instituto Criança é Vida, estamos fornecendo informações e atividades de reflexão para que esse quadro mude”, conta.

Imagem: Creative Commons CC0
Imagem: Creative Commons CC0

Célia destaca ainda outro aspecto importante e pouco conhecido deste cenário: o “assédio feminino”. “Quando uma garota provoca um namorado ou um amigo que não queira fazer sexo com ela, usando insinuações sobre possíveis impotência ou homossexualidade – muitas vezes com agressões verbais – é um exemplo de violência sexual, raramente mostrada como tal”, explica.

PRIMEIRA VEZ

Em relação à iniciação sexual, 27,5% dos adolescentes, entre 13 e 15 anos, ouvidos pela pesquisa já haviam tido relação sexual alguma vez. Aqueles que não usaram preservativo na primeira experiência correspondiam a 39% do total, enquanto 33,8% admitiram que não usaram preservativo também na última relação. Das meninas com uma vida sexual ativa, 9% já haviam engravidado (23.678), mesmo tendo recebido informação na escola sobre prevenção da gravidez (79,2%) e registrarem um percentual maior do uso de preservativo (68,7%) do que entre os meninos (56,8%).

Imagem: Creative Commons CC0
Imagem: Creative Commons CC0

Também é entre as meninas em que aparecem os maiores índices de insatisfação com o próprio corpo (23,3%), mais que o dobro do que entre os meninos (11,6%). O índice de agressões físicas sofridas por adolescentes também é mais alto entre as meninas (15,1%) do que entre os meninos (13,8%). Em 14,5% dos casos, o agressor é um adulto da família.

INSEGURANÇA

Entre os alunos entrevistados, 18,3% se sentem gordos ou muito gordos. Além disso, quase 195 mil alunos do 9º ano (7,4%) disseram já terem sido vítima de bullying, enquanto 520,9 mil admitiram já terem praticado o bullying.

Imagem: Instituto Criança é Vida
Imagem: Instituto Criança é Vida

Agressão física, sexo forçado, bullying. Os elementos que compõem as estatísticas da pesquisa traduzem em números a realidade de jovens que crescem com medo, baixa autoestima e que, futuramente, poderão se tornar adultos inseguros, agressivos e com dificuldades profissionais e de relacionamento.

Em “Adolescência – momento de descobertas”, outro módulo do projeto “Questões de adolescência”, um exercício propõe que meninos e meninas façam uma reflexão sobre os seus medos e ousadias. E são muitos os medos apontados por eles em relação à sexualidade. Medo do pastor ou do padre, medo da homossexualidade, medo de não ter ereção ou de não ejacular, medo de ficar grávida ou de engravidar uma garota são alguns deles, como conta a formadora do projeto Célia Siqueira. Para ela, ao trabalhar temas como o uso de métodos anticoncepcionais e a diversidade sexual, o projeto contribui para que alguns desses medos desapareçam.

Imagem: Instituto Criança é Vida
Imagem: Instituto Criança é Vida

O crescimento do número de alunos do 9º ano (13 a 15 anos) que já haviam experimentado álcool também preocupa. Se em 2012 eram 50,3%, em 2015 o número subiu para 55,5%. A pesquisa também mostrou que o consumo foi maior entre as meninas (56,1%) do que entre os meninos (54,8%).

Há mais de 40 anos trabalhando com educação de crianças e adolescentes, Célia acredita que esse comportamento das adolescentes seja fruto de uma má interpretação do conceito de igualdade entre os gêneros. “Conquistas femininas como escolher parceiros e namorados, trabalhar dentro ou fora de casa, cuidar dos filhos ou ir sozinha a bailes e festas algumas vezes são confundidas com a repetição de comportamentos tradicionalmente masculinos, como consumir álcool em excesso ou assediar sexualmente o outro com palavras ou gestos”, opina a formadora.

Imagem: Creative Commons CC0
Imagem: Creative Commons CC0

Na contramão das más notícias, os dados também mostram que o número de adolescentes que haviam consumido álcool nos últimos 30 dias anteriores à entrevista diminuiu em relação à pesquisa anterior: caiu de 26,1% em 2012 para 23,8% em 2015. Boa notícia também em relação ao cigarro. Se em 2012, 19,6% dos alunos já haviam experimentado o tabaco, em 2015 o índice teve uma ligeira queda para 18,4%. Tendência que não se repete quando o assunto são as drogas ilícitas. Em 2012, 7,3% já haviam experimentado e em 2015 foram 9%.

Números que fazem pensar, deixam aceso o sinal de alerta em relação à saúde dos jovens e servem também para reforçar a necessidade de torná-los cada vez mais conscientes e responsáveis pelas suas próprias escolhas.

Imagem: Instituto Criança é Vida
Imagem: Instituto Criança é Vida

Para acessar a pesquisa completa:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97870.pdf