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Desafios da maternidade precoce

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Na contramão de um movimento mundial, a América Latina é a única região do mundo com uma tendência crescente de gravidez entre adolescentes. É o que mostra um relatório divulgado pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em março de 2018, e que reúne dados coletados entre 2010 e 2015.

Imagem: Creative Commons CC0

O documento aponta o Brasil como o país com o maior índice de adolescentes grávidas na região. Por aqui são 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a cada mil meninas de 15 a 19 anos, enquanto no mundo a média é de 46 nascimentos a cada mil.

As adolescentes sem escolaridade ou apenas com educação básica aparecem como as mais suscetíveis a uma gravidez precoce, com quatro vezes mais chances de ficarem grávidas na comparação com adolescentes com ensino médio ou superior.

As consequências de uma gravidez na adolescência são muitas. Segundo o relatório, a gravidez precoce afeta profundamente a saúde das adolescentes, dificulta o seu desenvolvimento psicossocial, além de estar associada ao aumento do risco de mortalidade materna.

Além do reflexo na saúde física e emocional, muitas das adolescentes que engravidam já deixaram a escola ou são forçadas a deixá-la devido a sua gravidez, o que vai ter um impacto considerável a longo prazo em suas oportunidades educacionais e de trabalho. O resultado de tudo isso é que mães adolescentes são mais vulneráveis à pobreza e à exclusão social, afirma o estudo.

As causas e as dificuldades da maternidade precoce, assim como o apoio necessário às meninas em situação de vulnerabilidade social estão retratadas no documentário Gravidez na Adolescência, uma produção da Maria Farinha Filmes.

Para tentar frear essa tendência brasileira de aumento da gravidez entre adolescentes, o relatório sugere ainda uma série de ações como: apoiar programas de prevenção dirigidos a grupos em situação de maior vulnerabilidade; impulsionar o acesso a métodos contraceptivos; promover cursos de educação sexual.

É exatamente o que tem feito o Instituto Criança é Vida, desde 2007, quando criou o projeto Educação Sexual. Nascido a partir da demanda das próprias instituições atendidas, a iniciativa pioneira trabalha com meninos e meninas já a partir dos sete anos de idade. O objetivo é contribuir para que as crianças e adolescentes adquiram conhecimentos que as conduzam, futuramente, a exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade. Atualmente três faixas etárias são atendidas pelo projeto: Tempo de descobrir – 7 a 9 anos; Sexo, amor e responsabilidade – 10 a 12 anos; e Questões de adolescência – 13 a 15 anos.

Até 2017, cerca de 2.300 educadores de mais de 1.300 instituições já haviam recebido a formação em educação sexual, alcançando mais de 70.000 crianças e adolescentes diretamente. Foi o caso do Bruno Ricardo. Educador no Movimento Comunitário Estrela Nova – SAS Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, ele já consegue identificar mudanças na região onde atua. “Em quatro anos de participação no Criança é Vida, vi um avanço na qualidade do material e na didática que é desenvolvida nele. Vi também o índice de gravidez diminuir nos CCAs em que eu trabalhei e trabalho”, afirma o educador.

Imagem: Creative Commons CC0

Para Michele dos Santos Menezes, pedagoga e diretora do Centro da Criança e do Adolescente (CCA) Santa Cruz, no Jaguaré, Zona Oeste de São Paulo, pode estar mesmo nas mãos dos educadores a oportunidade de contribuir para mudar essa realidade. “Muitas vezes, o educador é a pessoa mais próxima dessas jovens e com um vínculo afetivo. Mas, para que a informação chegue a essas jovens de forma correta, esse educador precisa ter conhecimento real e as informações precisam ser corretas”, diz. O cuidado com a qualidade da formação de sua equipe levou a diretora a buscar o apoio do Instituto Criança é Vida. “A parceria com o Instituto Criança é Vida é de grande valor porque – faz com que o diálogo sobre sexualidade se torne lúdico, responsável e de acordo com a faixa etária de cada um”, afirma Michele.

Apesar de estar localizado em um bairro com altos -índices de gravidez na adolescência, segundo a diretora Michele, no CCA Santa Cruz só houve até hoje uma adolescente grávida. “Ela engravidou faltando um mês para sair do programa. Isso foi bem difícil, pois queríamos entender o que havia acontecido, por se tratar de uma jovem esclarecida, comunicativa e com muitos sonhos para realizar”, conta. Passada a surpresa, a equipe do CCA adotou a postura de continuar acompanhando e apoiando a adolescente, mesmo após a sua saída do Centro. “Não queríamos que ela saísse da escola”, conta Michele. A estratégia teve resultado. A adolescente fez um curso profissionalizante e hoje trabalha como jovem aprendiz. “Hoje ela está seguindo a sua vida de forma tranquila. Temos muito orgulho dela”, comemora a educadora.

Mas ter uma vida tranquila após o nascimento de um filho nunca é tarefa fácil. Ainda mais quando a chegada do bebê acontece ainda na adolescência, um período de grandes transformações físicas e emocionais e de formação intelectual que, normalmente, são interrompidas ou têm seu curso drasticamente alterado.

Imagem: Instituto Criança é Vida

Foi o que aconteceu com Viviane Gomes dos Santos que engravidou aos 16 anos de idade. Atualmente com 30 anos, Viviane fala sobre a necessidade de interromper alguns projetos naquela época. “Enquanto estava grávida eu estudava e trabalhava, mas depois tive que parar de estudar e trabalhar mais para sustentar o meu filho”, conta.

Além da responsabilidade de gente grande, Viviane Santos teve que lidar com o fim do relacionamento com o pai do seu filho apenas seis meses depois do nascimento do bebê. Ela também fala das dificuldades e daquilo que precisou abrir mão a partir da maternidade. “Voltei a morar com a minha mãe e passei a trabalhar 14 horas por dia enquanto meu filho passava a maior parte do tempo com a minha mãe ou na creche. O começo da infância dele eu quase não acompanhei e não tive ajuda do pai”, lembra.

Sinal de alerta

Imagem: Creative Commons CC0

Viviane também conta que, no seu caso, a gravidez foi o resultado de um “descuido” e do pensamento mágico de que aquilo não aconteceria com ela. “Pensava que um raio não cairia na minha cabeça. Que aquilo poderia acontecer com todo mundo, mas eu teria a sorte de não acontecer comigo”, diz.

A postura da mãe foi fundamental para que a então adolescente assumisse a sua responsabilidade com o próprio filho. Apesar de ajudar nos cuidados com o bebê para que a filha pudesse trabalhar, a avó nunca assumiu o lugar dela no seu papel de mãe. “Muitas vezes passei madrugadas com meu filho no hospital para trabalhar no dia seguinte sem dormir”, conta.

Atualmente, Viviane é gerente de restaurante de uma grande rede de comida chinesa, em São Paulo, e lida diariamente com uma equipe formada por funcionários entre 17 e 19 anos de idade. Segundo ela, a gravidez precoce ainda é uma realidade bastante comum entre as meninas, como sinaliza a pesquisa da OMS.

Com a clareza de quem viveu essa situação na própria pele, Viviane procura alertar suas funcionárias sobre o grau de responsabilidade e de renúncia que a criação de um filho exige, além das dificuldades enfrentadas.

Viviane diz que procura constantemente entender a mente dos jovens, o que ajuda a manter um diálogo bastante claro com o filho adolescente sobre sexualidade. Na ausência do pai, ela conta com o apoio dos cursos do projeto Educação Sexual ministrados pelo CCA São José, em parceria com o Instituto Criança é Vida, e dos quais ele participa.

Na sua opinião, os cursos sobre educação sexual são uma ajuda, principalmente, para aquelas famílias muito fechadas, em que os pais não têm o hábito de conversar e orientar, e acha que apenas dar o sustento é tudo. “É um projeto bacana que tem como papel abrir mais a mente desses jovens, mas também dos próprios pais que normalmente não param para ouvir os filhos”. Para Viviane, o diálogo e a atenção podem ser importantes instrumentos para a construção de uma relação mais saudável entre pais e filhos, seja em que idade for.

Imagem: Instituto Criança é Vida