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Educar dá trabalho

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Crianças chegando ao consultório de psicologia com depressão, síndrome do pânico, além de altos índices de suicídio entre jovens registrados no Brasil e no mundo.

O quadro alarmante identificado pela psicóloga especializada em Saúde Mental na Infância e Adolescência, pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB, Adriana Brito, expõe os sintomas de uma sociedade doente, em que “as crianças estão perdendo a esperança na vida”, afirma.

Para a psicóloga clínica e social, alguns comportamentos muito frequentes no cotidiano das famílias atualmente podem estar contribuindo para levar a situações tão extremas. Falta de tempo com os filhos, culpa e ausência de limites estão entre eles. “Percebo os pais muito preocupados em compensar materialmente o tempo que eles não têm com as crianças por conta de trabalho e de outras atividades. Ou então, cedendo às vontades dos filhos”, diz.

Com 30 anos de experiência na área da Educação, atuando com diferentes faixas etárias e em diferentes contextos, a especialista em aprendizagem, mãe, pedagoga e psicopedagoga Vera Martens afirma que a falta de limites não está restrita ao público infantil. “A ‘falta de limites’ pode ser observada não apenas nas atitudes das crianças, mas também de adolescentes e adultos, o que torna a questão ainda mais abrangente e preocupante” afirma.

“Estabelecer limites é fundamental para o desenvolvimento e para a saúde mental da criança. A falta de limites pode levar a consequências preocupantes mais tarde, começando com a falta de autonomia”.
Vera Martens

Na tentativa de compensar a própria ausência com presentes, os pais muitas vezes não conseguem ouvir o que os filhos realmente precisam. Um experimento realizado com dez famílias incentivou crianças a fazerem pedidos de Natal separadamente para os Reis Magos e para os seus pais. O resultado mostrou o que elas realmente mais querem ganhar.

O uso excessivo da tecnologia é outro fator apontado como responsável por aumentar a distância entre pais e filhos, mesmo dentro de casa. “Perde-se um tempo enorme com celular, coloca-se as crianças muito cedo em contato com a tecnologia via celular, computador ou tablet. E a criança fica ali assistindo a desenhos porque é uma forma que os pais encontram de chegar em casa e descansar e não ter trabalho. Porque educar dá trabalho”, afirma a psicóloga Adriana Brito.

Para a especialista em aprendizagem Vera Martens, o uso exagerado de smartphones, tablets e computadores “não deixa de ser uma privação de acesso a outras possibilidades de interação. E interação faz falta…”, explica. A solução é limitar o uso. Sua dica para os pais é conversar com os filhos, estipulando juntos uma regra sobre o tempo de uso dos eletrônicos e reservando tempo também estarem juntos, conversando, se divertindo, passeando.

Imagem: Instituto Criança é Vida

“É preciso educar com responsabilidade, mas não educar com culpa”.
Adriana Brito

Encontrar dificuldades no trabalho de educar é natural. A maior delas talvez seja dizer “não”. Fazer sacrifícios econômicos para satisfazer as vontades dos filhos ou permitir que eles façam o que quiserem para que não sejam infelizes são armadilhas comuns e que podem levar a consequências danosas para a vida toda.

A falta de limites na infância pode contribuir, por exemplo, para o desenvolvimento de vícios na vida adulta. Em artigo publicado em sua página na internet, a Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional afirma que “pessoas que tiveram todas as necessidades atendidas prontamente também têm uma grande tendência aos vícios, pois crescem sem limites e com dificuldade para lidar com frustrações, buscando prazer a qualquer custo”.

“A criança precisa se sentir querida. E ser querida não é sinônimo de permissão para fazer qualquer coisa”.
Adriana Brito

Trechos do artigo “Entenda o que é vício segundo a Psicologia” foram adaptados e fazem parte da apostila “Decisões para viver bem” que integra o projeto Criança é Vida Viver Bem. Voltado para crianças de 7 a 9 anos, ele tem como objetivo principal a prevenção ao uso de drogas, mas a abordagem envolve a tomada de decisões para se viver bem em diversas esferas da vida. O respeito aos limites é uma delas. “Tudo na vida tem limites e boa convivência entre as pessoas depende do nosso respeito aos nossos limites e aos limites dos outros”, defende o projeto.

Imagem: Instituto Criança é Vida

“Quem educa precisa estabelecer limites”.
Vera Martens

Estabelecer esses limites é tarefa dos pais. “Pai e mãe têm o papel de introduzir na vida do filho a frustração. O não tem que fazer parte da vida do filho”, afirmou a pediatra Filomena Camilo, a Dra. Filó, durante palestra para um grupo de pais e mães de uma escola, em Belo Horizonte (MG). “A criança só será um adulto inteiro se tiver limites”, defendeu a médica. Você pode assistir à palestra completa abaixo.

“Quem não consegue ouvir um não porque nunca ouviu, fica vulnerável, sem saber como agir diante das regras, limites e frustrações que a vida vai colocar”.
Vera Martens

Segundo Vera Martens, a falta de limites acaba gerando a falta de autonomia, o que, no futuro, irá comprometer também “o desenvolvimento de habilidades socioemocionais fundamentais para viver e conviver bem, como o respeito a si mesmo e ao próximo, a determinação para superar dificuldades e seguir em frente”.

A consequência da ausência de limites são crianças doentes. A psicóloga Adriana Brito explica que não se frustrando, a criança não respeita nenhum tipo de autoridade e por sua vez vai adoecendo.

Estabelecer limites não significa ser autoritário. As propostas defendidas em nossos projetos e por especialistas para alcançar esse objetivo passam, invariavelmente, pela conversa. Para Adriana Brito, é preciso escutar as crianças. “Mesmo que a criança ainda não tenha a capacidade para decidir, é preciso escutá-la, é preciso conversar”. As rodas de conversa dentro do planejamento pedagógico das escolas são outra proposta defendida por ela para promover a escuta de crianças e adolescentes.

Imagem: Instituto Criança é Vida

Vera Martens também defende que os pais devem exercer a autoridade, mas sem confundi-la com autoritarismo, estabelecendo regras “de forma clara e junto com a criança”. “As regras e os limites devem fazer sentido para a criança, assim ela entende por que deve respeitá-las, além de sentir-se cuidada, levada em consideração e respeitada”, ensina.

Além da escuta, a educação com afeto aparece como ponto chave para uma educação eficiente e de qualidade. “Nós todos – crianças, adolescentes, adultos, idosos – estamos adoecendo por falta de afeto. Quando você educa uma criança, é preciso que seja com afeto”, afirma Adriana Brito.

Imagem: Instituto Criança é Vida

“Você educa com limite, mas com a dose do afeto junto”.
Adriana Brito

É este também o princípio que norteia nossos projetos. Acreditamos que, principalmente, as conversas, a atenção e o carinho são os recursos mais eficientes para provocar as transformações desejadas.