Proteção contra um mal muitas vezes invisível. É isso o que propõe, na maioria dos casos, as campanhas de vacinação atuais. Graças à eficácia da proteção vacinal realizada no Brasil, há décadas não são registradas no país doenças graves, como a poliomielite, também conhecida como paralisia infantil. Em São Paulo, por exemplo, nenhum caso foi registrado nos últimos 30 anos.
Enquanto o sucesso da imunização promovida pelas campanhas de vacinação pode ser traduzido em dados como esse, o mesmo sucesso explica também, em parte, a diminuição da população vacinada.
“O ponto chave para a queda nos índices de vacinação é o fato de estarmos lidando com uma geração que não viveu essas doenças”, afirma o médico pediatra e membro do Conselho de Administração do Instituto Criança é Vida, Dr. Roberto Bittar. Para ele, é preciso fazer um alerta, lembrando que, nos séculos passados, doenças como paralisia infantil, varíola e várias outras doenças contagiosas matavam milhões de pessoas.
No caso do Dr. Bittar, essa realidade não tão distante foi vivenciada pessoalmente. Estudante de medicina da Universidade de São Paulo na década de 1970, ele viu de perto os efeitos dramáticos da paralisia infantil. “No Instituto de Ortopedia havia uma ala especial que cuidava das pessoas com paralisia infantil utilizando equipamentos chamados de ‘pulmão de aço’; ventiladores externos que permitiam às pessoas respirar, já que não conseguiam respirar naturalmente por causa da paralisia”, conta o médico.
O pediatra explica que com a introdução das vacinas, no século XVIII, começando com a da varíola, houve uma revolução. “As pessoas começaram a se proteger e essas doenças pararam de matar”, destaca.
A explicação faz coro com o que pensa também Dr. Guido Carlos Levi. Médico infectologista e primeiro secretário da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), Dr. Levi é autor de livros como “Doenças que mudaram a história” (Editora Contexto) e “Recusa de Vacinas – Causas e Consequencias”, este último disponível para download gratuito no site da SBIm.
Para quem não viu acontecer ou sequer tem ideia do impacto causado pelas doenças infecciosas, o Dr. Levi traça um panorama bastante esclarecedor no vídeo sobre o papel das vacinas na história recente da humanidade. É dele a frase que serviu de inspiração para a introdução dessa matéria: “as vacinas são vítimas do próprio sucesso”.
A invisibilidade das doenças, porém, não deve ser motivo para baixar a guarda. Diretora da Divisão de Imunização do Governo do Estado de São Paulo, a médica pediatra Dra. Helena Sato afirma que, apesar de não haver casos de paralisia infantil em São Paulo há mais de 30 anos, a vacinação nunca foi suspensa. A Dra. Sato explica que, para que uma vacina seja retirada do calendário e uma doença seja considerada erradicada no mundo, é necessária toda uma avaliação da Organização Mundial da Saúde – OMS. Esse é o caso, por exemplo, da vacina contra a varíola. “A necessidade ou não de uma vacina não é uma decisão individual”, enfatiza.
A médica explica que atualmente no mundo o vírus causador da paralisia infantil continua circulando em três países: Afeganistão, Paquistão e Nigéria. E que, apesar de serem países distantes, o intenso intercâmbio de pessoas entre os continentes justifica a manutenção da imunização. “Se não há paralisia infantil no Brasil é porque continuamos vacinando”, ressalta.
“A falsa impressão de que determinada doença acabou, e que por isso não é mais necessário se vacinar contra ela, não deve nunca justificar a tomada de decisão individual de interromper a vacinação”.
Dra. Helena Sato
Para a Dra. Sato, o medo da reação é outro motivo pelo qual as pessoas muitas vezes deixam de se vacinar. No caso da vacinação contra a gripe, a médica cita também a crença da população de que a vacina possa causar a doença. “A vacina contra a gripe é inativada, ou seja, ela é composta apenas por fragmentos do vírus sem nenhuma capacidade de causar a doença, mas apenas de proteger contra ela”, esclarece a médica.
Segundo o Dr. Bittar, as pessoas se preocupam muito com os efeitos colaterais das vacinas, que realmente existem, mas que se comparados com o risco e a gravidade das sequelas que a doença pode trazer, passam a ser desprezíveis.
“Os benefícios da vacina superam em muito o risco dos efeitos colaterais que, na grande maioria das vezes (99%), não passam de febre ou dor no local da aplicação da vacina”.
Dr. Roberto Bittar
A Dra. Sato chama a atenção para a baixa cobertura durante a última Campanha Nacional Contra a Gripe. Entre as crianças (dos 6 meses a menores de 5 anos de idade) a cobertura vacinal foi de apenas 66,6% e entre as grávidas de 66,4%. A meta era vacinar pelo menos 95% desses grupos.
Ainda em relação à gripe, a médica destaca também uma confusão comum entre gripe e resfriado. Segundo ela, as mães se queixam de que, apesar de os filhos tomarem a vacina da gripe, ainda ficam resfriados.
Doutora em Pediatria pela Universidade de São Paulo, a médica esclarece que gripe e resfriado são coisas diferentes. A vacina é voltada para o vírus influenza, que é o causador da gripe. Ela pretende evitar que o quadro de saúde das crianças infectadas não evolua para pneumonia, necessitando de posterior internação hospitalar. Já quem causa o resfriado é o rinovírus e leva a um quadro muito mais leve caracterizado apenas por tosse e coriza nasal. “Gripe pode matar, sim”, alerta.
O Dr. Bittar lembra ainda que situações de medo muitas vezes são alimentadas por teorias pseudocientíficas com muitas informações que não se comprovam cientificamente, mas que são disseminadas rapidamente pelas redes sociais. Uma delas relacionava a vacina do sarampo com o autismo, por exemplo. Neste caso, ficou comprovado que as informações utilizadas eram mentirosas e autor do artigo foi condenado.
Para ajudar a evitar casos assim, o Ministério da Saúde divulga em seu portal uma lista de esclarecimentos sobre as principais notícias falsas ou fake news sobre a vacinação que circulam na internet.
Combater a proliferação desse tipo de notícia também é tarefa de cada um de nós. Antes de compartilhar qualquer tipo de informação duvidosa sobre a saúde, qualquer cidadão pode enviar, gratuitamente, uma mensagem por WhatsApp para o Ministério da Saúde e confirmar se o seu conteúdo é verdadeiro ou não. Anote o número e compartilhe: (61) 99289-4640.
“Todas as vacinas terão a capacidade de proteger, mas nunca de causar a doença”.
Dra. Helena Sato
Papel da educação
Segundo a Dra. Sato, o Brasil tem hoje um dos calendários vacinais mais complexos se comparado a outros países do mundo, com vacinas que protegem as crianças de cerca de 17 doenças. O Calendário Nacional de Vacinação está disponível no site do Ministério da Saúde.
Só em São Paulo existem 5 mil salas de vacinação espalhadas pelo Estado. Quando saem do posto de saúde, as mães recebem anotada a data de retorno para a próxima dose de vacinação dos seus filhos. Se de um modo geral a oferta existe, parece ainda faltar conscientização, já que assistimos a quedas preocupantes dos índices de vacinação entre as crianças.
Na opinião do Dr. Bittar, é preciso criar uma política de saúde bem estruturada que envolva a educação desde o começo nas escolas públicas e privadas. “É preciso criar uma cultura, como foi feito no caso do cigarro”, exemplifica o médico.
Para o pediatra, quando crianças aprendem desde cedo a identificar, a partir de atividades lúdicas, o que o cigarro é capaz de fazer com o pulmão, elas criam uma repulsa ao cigarro e a quem fuma. “As crianças gravam aquela informação de uma maneira forte. Isso cria uma cultura positiva”, opina o médico.
Investir na educação das crianças para transformar a saúde das pessoas é o que fazemos no Instituto Criança é Vida. No módulo “Eu cuido da minha saúde”, capacitamos voluntários para que orientem crianças e suas famílias sobre a importância das vacinas e o papel delas no nosso corpo.
As crianças aprendem o que é o cartão de vacinação e para que servem as vacinas, conhecem o histórico do surgimento delas e recebem informações sobre as doenças que elas ajudam a evitar e suas possíveis consequências. Também há curiosidades, como a que explica que a palavra “vacina” deriva da palavra “vaca”. Isso porque a produção da primeira vacina da história da humanidade, contra a varíola, aconteceu a partir de feridas em vacas.
Para a Dra. Sato, o comprometimento dos pais e responsáveis é outro fator determinante para o sucesso da imunização. “É fundamental que o calendário de vacinação seja cumprido. Algumas vacinas protegem adequadamente com uma dose só, mas outras necessitam de doses adicionais para uma adequada proteção”, lembra a médica.
A pediatra também traz números que ajudam a dar cara à importância da vacinação de todas as crianças. Para ser considerada eficiente, uma cobertura vacinal deve atingir 95% das crianças ou mais. Segundo ela, nascem no Brasil a cada ano cerca de 3 milhões de crianças. Se considerarmos apenas esse grupo, teríamos 150 mil crianças não imunizadas no Brasil por ano, o que já seria muito.
Ainda assim, até o fechamento desta matéria (29/08), a cobertura vacinal contra a poliomielite havia atingido apenas 65,6% no Estado de São Paulo e contra o sarampo 64,7%. “Por isso temos que manter adequadamente os calendários vacinais dos nossos filhos. Cada uma das vacinas presentes no calendário tem uma razão de ser e a eficácia delas é superior a 90%”, reforça.
“Contra fatos não há argumentos. Basta olhar o papel das vacinas que erradicaram doenças no mundo, como no caso da varíola”.
Dra. Helena Sato