Fortalecer o vínculo com quem lê para ela, desenvolver a atenção, a concentração, o vocabulário, a memória e o raciocínio, além de estimular a curiosidade, a imaginação e a criatividade da criança. Estes são só alguns dos principais benefícios da leitura na primeira infância. É o que conta a publicação “Receite um livro: fortalecendo o desenvolvimento e o vínculo – a importância de recomendar a leitura para crianças de 0 a 6 anos de idade”.
O livro faz parte da campanha “Receite um livro” que foi criada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em 2016. A proposta é incentivar os pediatras a incluírem a recomendação de leitura às famílias durante o atendimento às crianças.
O público-alvo da campanha não foi escolhido foi por acaso. Para 71% dos pais, são os pediatras a fonte mais confiável de informações sobre o desenvolvimento do bebê. O número é de uma pesquisa realizada pelo Ibope e citada na publicação.
Apesar de ter sido produzido originalmente para os médicos, a publicação também pode ser muito útil para profissionais de outras áreas, principalmente para aqueles que lidam diretamente com familiares de crianças e adolescentes.
Com apenas 48 páginas e disponível gratuitamente no site da SBP, o livro é uma espécie de guia com orientações bem práticas sobre, por exemplo, como fazer a abordagem sobre leitura com crianças e famílias. De maneira simples, o livro também esclarece algumas dúvidas que podem surgir entre os pais na hora de introduzir a leitura na rotina do filho. Deixar ou não a criança escolher o livro sozinha é uma delas.
No caso dos bebês, a psicóloga, psicanalista e consultora do Instituto Criança é Vida, Débora Albiero indica os livros com pouca história, frases curtas e diretas, táteis, audiovisuais, com pequenas atividades e macios como os de pano ou de banho. Débora também sugere as opções divertidas e temáticas que podem ser introduzidas na rotina do bebê como na hora de comer, tomar banho ou dormir. “Ter diversos livros disponíveis para eles, com diversos temas e personagens, é fundamental”, completa.
Apesar de tanta oferta, não é impossível que o bebê recuse a novidade. O que não deve ser motivo para desânimo. Segundo a psicanalista, o melhor a fazer em casos assim é respeitar a recusa do bebê naquele momento e oferecer o livro em outro dia. “O prazer se constrói na relação com a leitura e na interação com aquele que lê para o bebê, que interpreta as histórias, que as reinventa e relembra em outros momentos”, explica.
Formadora do Instituto Criança é Vida, Débora também é mãe de uma menina de 2 anos e 5 meses e conta um pouco como foi a sua experiência com a filha. “Os livros foram introduzidos muito cedo, primeiro os de pano, mais táteis e visuais, e depois outros de histórias curtas, livros de banho, de barulhos e músicas, som de animais, até que ela mesma foi se interessando por outros”, lembra.
Para os pais que pretendem que os filhos também se interessem pelos livros, sua dica é sempre deixá-los acessíveis ao bebê. “Tenha uma prateleira ou estante baixa no quarto ou na sala, perto de outros brinquedos, para que ele possa ser uma opção, dentre outras, nos momentos de brincar”, sugere.
RECEITA DEMOCRÁTICA
Contar ou ouvir histórias é bom para todos. Não tem idade mínima para começar, não tem contraindicação e não exclui ninguém com base no seu grau de instrução ou classe econômica. Especialistas ouvidos pela Sociedade Brasileira de Pediatria na publicação afirmam que desde a gestação o simples contato com a voz materna ou paterna já é capaz de produzir vínculos afetivos entre pais e filhos. Outra vantagem é que mesmo aqueles que não sabem ler podem produzir o vínculo com a criança a partir de canções de ninar ou ainda contando as histórias que costumam ser passadas de geração para geração oralmente.
Um exemplo prático de que a aproximação entre pais e filhos se dá mesmo em condições aparentemente menos favoráveis vem de Fortaleza (CE). No site Porvir, uma iniciativa de comunicação e mobilização social e especializado em inovações educacionais, a professora do Ensino Fundamental Tereza Mara Uchôa conta como criou, desde 2015, o projeto “Leitura em Família”. A ideia surgiu depois que ela ouviu de um aluno que seus não gostavam dele, já que não o ajudavam na tarefa de casa.
A partir daí, com apenas cinco sacolas, alguns livros e um caderninho para registro da experiência de leitura em família, a professora criou os primeiros kits de leitura que foram apresentados aos pais durante uma reunião. As crianças passaram a levar os kits para casa em sistema de rodízio e os resultados não demoraram a aparecer. Segundo a educadora, os alunos passaram a se sentir mais protegidos, enquanto os pais se aproximaram mais dos filhos e da rotina escolar.
Estudiosa das questões que envolvem a gestação, a maternidade, a constituição das famílias e os processos educacionais e de desenvolvimento infantil, Débora Albiero explica que o momento da leitura é quando os adultos param e se atentam às crianças, quando elas podem ser ouvidas e se sentem especiais por terem aquele momento só delas e do adulto. “Tudo isso participa da construção e do estreitamento de vínculos daqueles que leem juntos”, afirma.
RESULTADOS PERENES
Se o início da leitura para as crianças deve ser precoce, ainda na gestação, e o estímulo deve ser contínuo, principalmente entre 0 e 5 anos de idade, quando as conexões cerebrais se dão mais rapidamente, segundo pesquisas citadas pela SBP, os benefícios do hábito de leitura podem durar a vida toda.
Vem sendo assim com a jovem de 22 anos, Maria Vitória Rezende Grisi, de São Paulo. Atualmente ela ainda guarda a lembrança de sua mãe, que é professora da Educação Infantil, lendo histórias para ela desde muito cedo. “Acredito que isto tenha começado antes mesmo de eu começar a falar”, conta.
Com livros interativos e a montagem de cenários sobre as histórias em casa, o seu interesse pelos livros sempre foi bastante estimulado fazendo da leitura uma diversão. “Eram momentos agradáveis, pois minha irmã e eu podíamos brincar juntas enquanto ouvíamos as histórias”, lembra Maria Vitória.
Como consequência de tanto estímulo, ela acredita ter se tornado uma pessoa “sempre mais criativa”. E os reflexos na sua vida não pararam por aí. Atualmente Maria Vitória cursa Estudos Literários na Unicamp. “A literatura faz parte de uma grande parcela da minha vida. Sempre gostei de escrever e, por muito tempo, quis ser escritora, escrevendo inclusive histórias infantis”, revela.
No caso do estudante de arquitetura Luís Felipe Schwandner Sobreiro, de 24 anos, seus pais sempre leram para ele, desde bebê, mas a lembrança mais antiga dos momentos de leitura em família remete à hora de dormir. “Eu lembro de um livro que os meus pais sempre liam pra mim. Cada dia tinha uma pequena história, como um ritual. Era o que me colocava na cama e o suficiente para me fazer dormir”, conta o jovem que, na época com 5 anos, tinha na leitura em companhia dos pais uma aliada para driblar o medo de dormir.
Ainda que o medo não exista mais, o gosto pela leitura foi preservado. Fernando Pessoa e José Saramago estão entre os seus autores favoritos. “Acho muito gostoso de ler. Leio por prazer”, diz o jovem que cresceu em uma casa onde ler sempre foi muito natural.
Luís Felipe afirma que, na sua infância, mais que um hábito e sim um carinho pela leitura foi estimulado desde muito cedo e o ajudou a desenvolver a própria sensibilidade. “A leitura é muito boa para você aprender a captar coisas muito sensíveis, poéticas difíceis, coisas mais finas do discurso. Lembro do meu pai comentando sobre a beleza do que ele lia e aquilo me estimulava muito”, completa.
LEITURA SOLIDÁRIA
Ao contrário das histórias contadas pelos jovens Maria Vitória e Luís Felipe, existem crianças para quem o estimulo à leitura oferecido pelos pais não é uma possibilidade. São crianças e adolescentes que vivem em abrigos, afastados de suas famílias. Pensando nelas, o Instituto Fazendo História, em São Paulo, criou o Programa Fazendo Minha História.
No programa, a leitura funciona como instrumento de aproximação afetiva entre voluntários e crianças. A partir daí, a criança é auxiliada na construção de um álbum contendo relatos, histórias, fotos, depoimentos e desenhos que contem a sua trajetória pessoal.
Os álbuns passam a acompanhar cada criança e tornam-se uma referência, um ponto de partida para que elas possam, a partir de então, traçar novos percursos de vida e transformar suas próprias histórias.
Cada voluntário trabalha durante, no mínimo, um ano com duas crianças ou adolescentes e os interessados em participar podem se cadastrar no site do Instituto Fazendo História.
Referências:
Campanha “Receite um livro” – Sociedade Brasileira de Pediatria
http://www.sbp.com.br/campanhas/em-andamento/receite-um-livro/
Leitura em família reforça laços afetivos e traz resultados para sala de aula
http://porvir.org/leitura-em-familia-reforca-lacos-afetivos-traz-resultados-para-sala-de-aula/
Instituto Fazendo História
http://www.fazendohistoria.org.br/