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De olhos sempre abertos

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Imagem: Creative Commons CC0
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Um momento de desatenção ou mesmo o excesso de confiança podem ser suficientes para que um dos piores pesadelos de toda família se torne real e, muitas vezes, interminável. O desaparecimento de crianças e adolescentes é uma triste realidade para pelo menos 40 mil pais e mães no Brasil a cada ano, segundo números oficiais. Número que pode ser ainda maior devido à falta de informação dos familiares, que nem sempre chegam a registrar o desaparecimento.

 

Em 2010, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com o Ministério da Justiça, criou o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos na internet para tentar unificar o registro, a consulta e a divulgação de desaparecimentos no Brasil. Mas em 2016 o cadastro tem apenas 370 casos registrados em 20 Estados. Para tentar mudar esta situação, existe na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (4509/2016) da Deputada Federal Laura Carneiro (PMDB/RJ) que propõe a regulamentação do cadastro no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ele também determina a imediata comunicação ao cadastro das ocorrências de desaparecimento registradas pelos órgãos competentes, tanto públicos, quanto de instituições da sociedade organizada. Hoje o registro não é obrigatório. O projeto ainda aguarda um parecer do Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

Paralelamente, outras iniciativas apoiadas na tecnologia também buscam colaborar com a localização de meninos e meninas desaparecidos. É o caso do projeto Caminho de Volta criado em 2004 pela Faculdade de Medicina da USP em parceria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. O projeto é pioneiro no Brasil e conta com um Banco de DNA onde são armazenados perfis genéticos de familiares que perderam seus filhos e que podem ser comparados com dados de uma criança ou adolescente encontrado sem filiação conhecida. O recurso é utilizado quando o reconhecimento visual não é possível, seja em função do tempo do desaparecimento ou de outras circunstâncias.

Projeto-Caminho-de-volta
Um exemplo da importância do banco quem conta é coordenadora do projeto Profa. Dra. Gilka J. F. Gattás: “Depois de sete anos vivendo em um abrigo e sem filiação conhecida, uma criança deficiente auditiva, que se perdeu ainda bem pequena, só pôde ser localizada graças à iniciativa de um juiz que encaminhou o caso ao projeto. A mãe estava no Banco do Caminho de Volta, o que permitiu a identificação da criança”. Para fazer parte do projeto, pais e mães que tenham filhos desaparecidos menores de 18 anos só precisam ter um Boletim de Ocorrência, não importando a data do desaparecimento. O serviço é totalmente gratuito.

Como no caso da tentativa de criação de um Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, a eficácia do Banco de DNA só é possível com a participação efetiva de todos os agentes envolvidos nos casos de desaparecimentos de crianças como policiais, ou juízes, já que os dados das crianças precisam ser enviados por eles ao Banco. Para a Dra. Gilka, o trabalho em rede nacional é fundamental para que a localização seja eficaz. “O grande gargalo de um projeto como este não é o que nós nos propomos a oferecer, mas a unificação das informações”, conta.

Membro de uma comissão do Governo do Estado de São Paulo criada para debater o tema, a coordenadora aponta a necessidade de trabalhar o desaparecimento de forma mais global. “A criança desaparecida pode estar na rua, pode ter fugido de casa, pode ter entrado na exploração do trabalho ou sexual ou estar sendo atendida de alguma forma em abrigos sem que ninguém nunca tenha checado se ela é uma criança desaparecida. Hoje não existe um fluxo que obrigue o policial ou um juiz a mandar para o Banco as informações sobre um desaparecimento”, alerta a Profa. Gilka.

Além do Banco de DNA, o projeto também conta o trabalho de psicólogos voluntários que ouvem os familiares das crianças desaparecidas no momento do registro do Boletim de Ocorrência na 4ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas em São Paulo. Dados coletados pelo projeto junto às famílias mostram que 85% dos casos de desaparecimento são fugas que muitas vezes têm origem justamente em conflitos familiares e que as meninas adolescentes, de 12 a 14 anos, são as que mais desaparecem. Mais da metade dos desaparecimentos deste público são recorrentes.
Os adolescentes encontrados também são ouvidos pelo projeto. “A ideia é coletar informações sobre o desaparecimento. Saber onde esteve, como se manteve e o motivo da fuga”, conta a coordenadora dos Psicólogos do Caminho de Volta, Dra. Cláudia Garcia. Sempre que necessário, tanto o adolescente quanto os familiares são encaminhados para acompanhamento psicológico ou avaliação psiquiátrica. Seis meses após o encaminhamento, o psicólogo que fez o primeiro atendimento entra em contato com a família para fazer o acompanhamento do caso.
“Trabalhamos com uma parcela da população que não tem acesso a quase nada. Muitas vezes, a conversa com o psicólogo é a primeira oportunidade que as famílias têm de serem ouvidas de maneira isenta e sem repreensões”, conta Dra. Cláudia. Segundo ela, a adesão ao projeto é muito grande e as famílias não só comparecem ao retorno marcado como querem continuar sendo atendidas por mais vezes. Nestes casos é feito o encaminhamento a instituições próximas às residências.

Já a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro conta com um programa de computador capaz de criar imagens envelhecidas de crianças que desapareceram anos atrás. A divulgação das fotos é feita via internet. A iniciativa é da Delegacia de Descoberta de Paradeiro. Criada em 2014 para investigar casos de desaparecimento no município do Rio de Janeiro, ela conta com um núcleo específico de investigação para casos de crianças e adolescentes desaparecidos.

Profissionais de saúde também já entraram na luta para ajudar a localizar crianças desaparecidas. Recentemente o Conselho Federal de Medicina orientou médicos e pediatras a comunicarem rapidamente aos órgãos competentes sempre que notarem algum comportamento suspeito durante o atendimento de bebês e crianças. A dificuldade de interação entre os supostos pais e a criança pode ser um indício de um possível rapto, por exemplo.

Em caso de desaparecimento de um familiar, qualquer pessoa deve procurar imediatamente a Delegacia de Polícia mais próxima e registar o desaparecimento por meio de um Boletim de Ocorrência. É importante lembrar que em situações assim não é necessário esperar 24 ou 48 horas. O registro é imediato.

Imagem: Creative Commons CC0
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Adoção ilegal, tráfico de pessoas, venda de órgãos, prostituição e trabalho infantil são algumas das principais causas do desaparecimento de crianças no Brasil. E evitar que isso aconteça ainda é, sem dúvida, o caminho mais eficaz. Por isso, em nosso projeto Afeto e Proteção ressaltamos a importância da família e damos dicas importantes de prevenção que merecem ser sempre lembradas:

  • Nunca deixe bebês ou filhos pequenos com estranhos se precisar usar banheiros públicos;
    nunca ande nas ruas com seus filhos pequenos atrás de você. Eles devem andar na frente ou segurando sua mão;
  • crianças pequenas necessitam de atenção constante, principalmente em lugares públicos, pois gostam de correr, brincar de se esconder etc. Ensine-lhes que podem se perder dos pais e até serem levados por estranhos;
  • em locais públicos, ensine seu filho a identificar seguranças ou guardas para pedir ajuda se vierem a se perder;
    ensine seu filho a ser educado e não bobo! Ela não precisa aceitar doces, presentes, convites de estranho sem a presença dos pais;
  • crianças e adolescentes podem fugir de casa por razões variadas, inclusive aventura! Ensine seu filho desde pequeno que limites são bons e necessários! Não tenha medo de exercer sua função de pai e mãe, mas lembre-se de que para educar e formar um bom cidadão não é necessário usar violência física ou verbal;
  • lembre-se de que você já foi um adolescente e sabe que é natural existirem conflitos entre pais e filhos por causa de horários, namoros, amizades, escola etc. Assim, antes de impor sua vontade ou regras, procure alternativas criativas para criar um ambiente familiar que seja mais atrativo do que a rua;
  • ensine seu filho a pedir-lhe ajuda caso necessite e estabeleça uma relação de confiança entre vocês. Essa é a melhor forma de prevenção ao desaparecimento/fuga de casa.
Imagem: Creative Commons CC0
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